Missionário da Consolata na Colômbia e no Equador...

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Acampamento Missionário Jovem

Missão é partir…

      O primeiro partir é o sair de si próprio, do seu mundo, para ir ao encontro do outro. Assim fizeram 18 jovens, quiseram sair de suas casas, sair do seu "mundo" habitual para participar do Acampamento Missionário Jovem. Os jovens eram provenientes de São Paulo e Rio de Janeiro. Ao longo de um fim de semana cheia tiveram a possibilidade de conhecer como missão é sempre partir. Como sempre o Acampamento Missionário se fundou no habitual "tripé missionário": Oração - Formação - Ação.
      Os momentos de oração foram vários, bem vividos e ajudaram a alimentar nossa vida de fé. A formação e ação estiveram ligadas. Os jovens foram confrontados com a realidade do povo de rua. Ficaram a saber de estatísticas, de histórias de gente que vive na rua, de situações concretas, isto é, ficaram a conhecer um "irmão", que muitas vezes preferimos fazer de conta que não existe, que muitas vezes gostaríamos que não existisse. Para que essa realidade estivesse presente ainda mais profundamente fomos até ao Arsenal da Esperança, na zona leste da cidade de São Paulo para conhecer uma casa de acolhida para gente de rua. Fomos acolhidos pelo Simon que nos deu a conhecer as instalações, o trabalho desenvolvido e os objectivos. É bom saber que tem gente que se preocupa com aqueles que não contam para a nossa sociedade. Para terminar a visita, celebramos a eucaristia com os moradores de rua e outras pessoas, uma experiência muito boa. A conclusão deste dia intenso, foi uma uma festa fantasia sob o tema: povos e culturas. Não faltou criatividade nos trajes apresentados.
        O domingo foi marcado pelo testemunho de vida da irmã Madalena, pelas gincanas e pela celebração de envio. No final ficou o saber a pouco, na verdade, foi pouco tempo, mas foram momentos bem vividos. O importante é não esquecer: missão é partir.


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domingo, 25 de abril de 2010

Considerações sobre a Liturgia a partir do Projeto de Deus, e não simplesmente do desejo humano

Por: Edil Tadeu P. França

“As nossas celebrações são um dom precioso para a Igreja, pois é a vivência do mistério pascal por onde passam a vida do povo e de nossas comunidades. No entanto muitas vezes seu sentido se desvirtua, por limitações (principalmente nas formações) e dificuldades pastorais.” (Pe. Bogaz – In: A Celebração e seus dramas)

Partindo deste pré-suposto é que necessitamos SENTIR A LITURGIA A PARTIR DO PROJETO DE DEUS, e não simplesmente do desejo humano; pois necessitamos promover a integração FÉ-VIDA, “e não fazermos uma miscelânea de forças de expressão”, pois devemos pensar os RITOS para torná-los agradáveis à assembléia com suas exigências éticas, culturais e de TRADIÇÕES religiosas; não transformando as celebrações em momentos da “uma elite religiosa” onde o povo simplesmente assiste a um espetáculo de fé tal qual uma peça clássica sem desenvolver seu “espírito de comunicação” com Deus e com os irmãos.

Toda a assembléia é convidada ao projeto de devoção devendo buscar unir a criatividade à TRADIÇÃO, a fim de que os símbolos, cantos, gestos ou movimentos culturais possibilitem realizar a celebração em um momento capaz de converter seus corações e ações filiando a linguagem celebrativa ao grande PROJETO DE DEUS:

  • Fazendo a sociedade igualitária na fé
  • Celebrando um culto a partir da vida
  • Que o sacerdócio que celebra os ritos seja sempre profético
  • Que a assembléia tenha sempre um poder comunitário, pela união.
  • Pelo dom da profecia nunca se esqueçam de cobrar que as leis defendam o povo (o pobre e o oprimido)
  • Que a celebração seja feita em uma TRINDADE libertadora

Se agirmos desta forma os ritos deixam de ser apenas ações intelectuais, pois ganharão vida e sentimentos, espiritualizando as celebrações tornando-as mais vivas e mais agradáveis.

Mas somente iremos conseguir estas considerações na medida em que nos esforçarmos no conhecimento da teologia litúrgica refletindo sobre ela e seus desafios, para depois nos aperfeiçoarmos na pastoral litúrgica com o envolvimento de todos os ministros da equipe celebrativa que culminará na participação do CORPO CELEBRATIVO.

Ao prepararmos uma celebração a partir do PROJETO DE DEUS, devemos ter COMO base que o culto (celebração) que iremos realizar exigirá da equipe um compromisso com um SISTEMA DE IGUALDADE, pois no ato litúrgico realizaremos o encontro da FAMILIA DO POVO DE DEUS, incrementando e atualizando a VIDA de Jesus na história da humanidade (renovando), fato que  nos fará evitar transformar a liturgia em algo alienante. Os RITOS LITURGICOS precisam imprimir um caráter de MISSÃO EVANGELIZADORA, pois mesmo seguindo as rubricas próprias serão articulados por uma equipe que não deve ser levada ao improviso, pois deverá atingir e inculturar os valores do povo à celebração.

É triste enxergarmos apenas uma mentalidade estética, onde se transforma nossa liturgia e celebrações em uma espécie de grande teatro, com uma clara falta de cultura bíblica, litúrgica e hermenêutica; é preciso formar-se para compreender que tipo de linguagem fala a liturgia e como esta se comunica celebrativamente. Com esta visão, não convém ficarmos debruçados em cima de pensamentos intelectualizados, temos que enfrentar a realidade em que vivemos, uma realidade de periferia, onde celebra-se de acordo com as regras e instruções além do famoso “cursus latino” que lhe confere uma musicalidade que penetra em nossos ouvidos de forma suave; mas jamais podemos esquecer que a arquitetura ou montagem do gesto celebrativo parte de um povo simples em sua maioria.

A Igreja reunida em Puebla já sentia a necessidade de remodelar a liturgia às nossas culturas de periferia, ou cultura latino-americana, bem como a situação dos pobres e humilhados, sabemos que algumas recomendações pastorais foram indicadas, e até em alguns lugares houve a opção de “celebrar a fé”, obedecendo algumas expressões culturais, onde o povo simples fazia valer seu desejo de alimentar o ato litúrgico (Puebla, 90).

          Porém com sentido apenas ritualista a liturgia vai se tornando “racionalista” desprezando os símbolos da cultura do povo, e perdendo o simbólico se desumaniza. Portanto nossa função como ministros é a de criar espaços de acordo com a comunidade e a teologia litúrgica, onde desenvolveremos um processo em  nosso trabalho, jamais deixando de interpretar as experiências e culturas de nosso povo; o simbolismo nos permitem vários significados e fazem parte da própria ação litúrgica.

          Não podemos deixar que o ritualismo, o rubricismo e a pressa impeçam a comunidade de demonstrar a simbologia litúrgica ou popular, sem portanto, transformá-la num gesto profano. As equipes de liturgia devem preparar o gesto litúrgico para se manter o equilíbrio entre as palavras, os gestos, cantos e silêncio, além da beleza do simbólico, sem incomodar a sensibilidade comunitária no entendimento do gesto sacramental.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Para compreender o pontificado de Bento XVI


O atual papa crê que somos capazes de alçar voo nas asas articuladas da fé e da razão e se afirma um cooperador da verdade que enfrenta o relativismo

Por Fernando Altemeyer Junior
O Estado de São Paulo - página A16 - Vida - primeiro caderno*

Para entender os cinco anos do pontificado atual é preciso rever a vida de quem foi escolhido para ser o 265º sucessor de Pedro como bispo de Roma. Tornou-se um intelectual que deixou a Baviera, mas que jamais permitirá que a Baviera saia de dentro de si. Guarda como tesouro inabalável o amor à Virgem de Mariazell. Na escola da Mãe de Deus, aprendeu que todo poder é serviço aos pequeninos que não se pode escandalizar. A infância vivida aos pés dos Alpes foi guiada pela educação clássica que talhou sua personalidade intelectual. A Baviera é a terra do barroco, arte que vive do contágio emotivo e dos santos. Este papa é um homem das emoções que desejam a Deus revelado na verdade, na beleza e no amor. Viveu entre Munique e Salzburgo, tornando-se um aficionado da música clássica, um mozartiano.

Seus mestres são Santo Agostinho e São Boaventura. Como estes teólogos, o papa proclama que somos capazes de manter livre a inteligência na docilidade à graça de Deus. Crê que somos capazes de alçar voo nas asas articuladas da fé e da razão. Seu lema episcopal é Cooperatores Veritatis, pois se afirma um cooperador da verdade que enfrenta o relativismo, um problema nevrálgico. Tem alertando europeus para que não se tornem vítimas de um laicismo estéril e obtuso. Preocupa-se com aqueles que negam as raízes cristãs e professam um niilismo corrosivo. Afirma que é urgente o cultivo da arte nutrida no Uno, no Bom, no Verdadeiro e no Belo.

A Igreja Católica compreende melhor sua voz suave ao celebrar hoje os cinco anos de sua eleição. Descobre que está diante de um teólogo eminente que anuncia o Evangelho como homem discreto e excelente pedagogo. Ele questiona os fundamentos da modernidade líquida e pede aos cristãos que busquem bases mais sólidas no Evangelho. Teme a apostasia do Ocidente com o crescimento do ateísmo e do agnosticismo, antes restritos aos totalitarismos stalinista e nazista. Seu antídoto para o vazio existencial é maior fidelidade, lucidez e santidade dos seguidores de Jesus. Insiste em proclamar novos santos como paradigmas de um cristianismo do futuro, marcado mais pela qualidade espiritual do que pela quantidade. Há cerca de 400 processos de canonização em curso, sendo 50 de brasileiros natos.

Enfrentou temas polêmicos: o diálogo com as comunidades judaica e islâmica, o uso de preservativos na África, a reinserção de quatro bispos do cisma lefebvriano, o retorno da missa tridentina e o escândalo de pedofilia nos EUA, México, Irlanda, Brasil e Alemanha. Manteve-se ao lado daquelas que sofreram esta clamorosa injustiça e exigirá publicamente que os bispos envolvidos - incluídas as conferências episcopais, dioceses e congregações religiosas - tenham ação firme para punir este crime. Na carta aos irlandeses, Bento XVI disse que esta traição a Cristo exige reparação da Igreja pois é um “grave pecado que ofende Deus e fere a dignidade da pessoa humana criada à Sua imagem”.

Viveu momentos iluminados em seu pastoreio quando clamou por uma ação efetiva da comunidade internacional durante os terremotos que afligiram haitianos, chilenos e tibetanos. Quando abraçou jovens dependentes químicos no Brasil, em 2007. E sobretudo ao tocar, suave e comovido, o rosto de sobreviventes de Auschwitz, na visita à Polônia, em 2006. São gestos paternais que falaram ao coração da humanidade tantas vezes órfã e vilipendiada por mecanismos sutis de segregação social.

Seus desafios para o próximo quinquênio podem ser resumidos a três grandes gestos simbólicos: a visita a Moscou para fixar laços ecumênicos plenos com o patriarcado ortodoxo russo, a realização no próximo ano em Roma de um Sínodo para o Oriente Médio - como contribuição concreta dos católicos ao processo de paz na Terra Santa - e a preparação diligente da presença permanente da Igreja na China, talvez com a reinstalação de um mosteiro beneditino na China Continental.

Manteve contato com os católicos sem tantas viagens como João Paulo II, mas tornou-se presente através da TV, da internet, de blogs e sites. É o primeiro Papa a possuir um iPod.

Dedicou o coração de seu ministério petrino à defesa da verdade desde sua eleição como “um simples e humilde trabalhador na vinha do Senhor”, confiante nas orações do povo cristão e na ajuda de Cristo e de sua Mãe. Sempre afirma que quer construir pontes firmes no diálogo em favor da paz sem transigir nos valores da fé em Deus como pedra angular de uma humanidade emancipada.

Em meio aos ventos contrários destas últimas semanas, o papa Bento XVI emerge no século 21 como um papa das correntes subterrâneas mais do que alguém que surfa nas espumas do mar. Compreendê-lo exige - como dizia Blaise Pascal - espírito de fineza: capacidade de levar em conta todas as dimensões.

*PROFESSOR ASSISTENTE DOUTOR DO DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA RELIGIÃO DA PUC-SP

Lectio Divina de João 10, 27-30: Seguindo o Pastor - 4º Domingo de Páscoa

Por: Patrick Silva

As minhas ovelhas escutam a minha voz, eu as conheço e elas me seguem. Eu lhes dou a vida eterna. Por isso, elas nunca se perderão e ninguém vai arrancá-las da minha mão. Meu Pai, que me deu estas ovelhas, é maior do que todos, e ninguém pode arrancá-las da mão do Pai. Eu e o Pai somos um”. (João 10, 27-30)

1. LECTIO – leitura
O evangelho proposto esta semana é curto, são apenas 4 versículos tirados do décimo do Evangelho, que é dedicado a uma catequese sobre o Bom Pastor. O evangelista utiliza esta imagem para apresentar a missão de Jesus: a obra do “Messias” consiste em conduzir a pessoa às pastagens verdejantes e às fontes cristalinas de onde brota a vida em plenitude.

A imagem do Bom Pastor não foi inventada pelo autor deste evangelho, mas já era conhecida no mundo literário do seu tempo. No texto de Ezequiel 34 se encontra uma possível chave para compreender a metáfora do pastor e do rebanho. Falando aos exilados na Babilônia, Ezequiel constata que os líderes de Israel foram, ao longo da história, falsos pastores que conduziram o Povo por caminhos de morte e de desgraça; mas afirma Ezequiel, o próprio Deus vai, agora, assumir a condução do seu Povo. Ele colocará à frente do seu Povo um Bom Pastor, que o conduzirá à vida.

O texto acentua a relação estabelecida entre o Pastor (Cristo) e as ovelhas (os seus discípulos). A missão desse Pastor é dar vida às ovelhas. Sao muitos os exemplos ao longo do evangelho de João, onde se constata que a ação de Jesus é uma recriação e revivificação da pessoa, no sentido de fazer nascer a Pessoa Nova (veja Jo 3,3.5-6), a pessoa da vida em plenitude, a pessoa que, seguindo Jesus, se torna “filho de Deus” (veja Jo 1,12) e que é capaz de oferecer a vida por amor. Os que aceitam a proposta de vida que Jesus lhes faz não se perderão nunca (“nunca hão-de perecer e ninguém as tirará da minha mão” Jo 10,28), pois a qualidade de vida que Jesus lhes comunica supera a própria morte (veja Jo 3,16;8,51). O próprio Jesus está disposto a defender os seus até dar a própria vida por eles (veja Jo 10,11), a fim de que nada nem ninguém (os dirigentes, os que estão interessados em perpetuar mecanismos de egoísmo, de injustiça, de escravidão) possa privar os discípulos dessa vida plena. Os discípulos), por sua vez, têm de escutar a voz do Pastor e segui-l’O (veja Jo 10,27). Isto significa que fazer parte do rebanho de Jesus é aderir a Ele, escutar as suas propostas, comprometer-se com Ele e, como Ele, entregar-se sem reservas numa vida de amor e de doação ao Pai e à humanidade. O texto conclui com uma referência à identificação plena entre o projeto do Pai e o projeto de Jesus: para ambos, o objetivo é fazer nascer uma nova humanidade. Em Jesus está presente e manifesta-se o plano salvador do Pai de dar vida eterna (vida plena) à pessoa. Isto é, através da ação de Jesus, a obra criadora de Deus atinge o seu ponto culminante.

Nesta época de incertezas, não podemos ter promessa mais forte do que aquela que Jesus oferece a quem o seguir: ninguém e nada pode nos separar de Deus. Aprofundado mais tarde na carta aos Romanos 8:38-39. Nada nos pode nos separar do amor de Deus, que alcançamos em Jesus Cristo. Esta promessa não é somente para esta vida, mas se estende para além da nossa morte para a eternidade.

Na nossa cultura urbana, a imagem do Pastor é uma parábola de outros tempos, que pouco diz à nossa sensibilidade; em contrapartida, conhecemos bem a figura do líder, do presidente, do chefe: não raras vezes, é alguém que se impõe, que manipula, que arrasta, que exige... Mas o Evangelho que nos é proposto convida-nos a descobrir a figura bíblica do Pastor: uma figura que evoca doação, simplicidade, serviço, dedicação total, amor gratuito. É alguém que é capaz de dar a própria vida para defender das garras das feras as ovelhas que lhe foram confiadas.

2. MEDITATIO – meditação
+ Nesses versículos Jesus cita várias vantagens de ser uma das suas ovelhas. Pense sobre o que cada um significa para você.
+ Como cristãos acreditamos que Deus sabe tudo, mas às vezes atuamos e oramos como se não fosse assim. No versículo 27 Jesus nos lembra que ele conhece cada uma de suas ovelhas individualmente. Você acha tal tranqüilizante ou “desconfortável”?
+ “As minhas ovelhas escutam a minha voz, eu as conheço e elas me seguem”. Como está o seu “escutar” de Deus?
+ Como distinguimos a “voz” de Jesus, nosso Pastor, de outros apelos, de propostas enganadoras que não conduzem à vida plena?
+ Quem é o seu bom pastor?

3. ORATIO – oração
A imagem do Pastor é muito sugestiva, o que isso desperta em você? Traga esses sentimentos para a sua oração e, no seu silêncio, deixe que Deus se mostre como o seu Bom Pastor.

Reze com o Salmo 100 e use-o para dar graças a Deus.

4. CONTEMPLATIO – contemplação
Em sua contemplação, sinta-se acompanhado por este bom Pastor preocupado com o seu bem, com sua fidelidade e experimente a alegria desta companhia.

5. MISSIO - missão
“A caridade é, de fato, o verdadeiro distintivo dos discípulos de Cristo”. José Allamano

Disponível mensalmente em www.imconsolata.org.br

segunda-feira, 19 de abril de 2010

UMA APRESENTAÇÃO DO JUDAÍSMO – Rabino Alexandre Leone

Queridos leitores/as do blog do Júlio Caldeira, de maneira especial venho publicar um artigo esclarecedor do meu professor (Rabino Alexandre Leone) sobre o judaísmo. É um pouco longo e com uma linguagem um pouco técnica para os padrões deste blog, mas achei oportuno publicá-lo para que, como tem acontecido comigo, tenhas um maior conhecimento de uma das fontes do cristianismo e de como o judaísmo está organizado atualmente. Vale à pena a leitura.


Conta uma lenda rabínica que, na época do segundo Templo, um grego procurou um sábio judeu de nome Shamai, dizendo-lhe que se ele fosse capaz de enunciar a essência da Torá, enquanto se equilibrava em um só pé, o grego se tornaria um prosélito judeu. Tomando aquilo por uma brincadeira, Shamai, muito conhecido por seu rigor, mandou-o embora. O grego então foi procurar outro sábio chamado Hillel, muito conhecido por sua paciência e bom humor, e lhe fez a mesma proposta. Ao ouvi-la, Hillel abriu um sorriso e, pondo-se sobre um pé só, disse: “Ama a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo. O resto é comentário. Vai e estuda” (Essa lenda se encontra no Talmud. Uma tradução pode ser encontrada em "Um tesouro do folclore judaico." AUSUBEL, Nathan. Rio de Janeiro: Koogan, 1989. Coleção Judaica, v. 8. p. 72).

A maioria das pessoas, judias ou não, ao ouvir ou ler essa lenda, é facilmente tentada a se encantar com a resposta de Hillel e encarar Shamai com um olhar bem menos simpático. É verdade que a Halakhá, a lei comunitária judaica que baliza a conduta ética ideal, segue o caminho de Hillel. Há em Shamai, porém, algo de yidishkeit, do modo judaico de agir, que essa lenda não encobre, ainda que demonstre, claramente, a resposta de Hillel como a mais sábia. O Judaísmo tem sido, ao longo de seus quatro mil anos de história, uma experiência coletiva inseparável do Povo Judeu. Essa experiência religiosa e espiritual não deve ser encarada como uma teoria, pois ela permeia a vida cotidiana de pessoas reais e é permeada por ela. Os sábios jamais foram divinizados e encarados como perfeitos, e também os tolos e os malvados jamais foram encarados como não fazendo parte da alma coletiva de Israel. A palavra Israel, por sinal, admite muitas traduções e, se num extremo, pode ser entendida como "O Guerreiro de Deus", num outro, também pode significar "Aquele que Luta Contra Deus". Lutando com e contra Deus, e temos os profetas como testemunhas dessa tensão, forjou-se uma experiência de intimidade do humano com o divino, que por isso mesmo tornou-se universal, ainda que tenha permanecido como experiência particular de um povo.

Três são as bases da experiência religiosa judaica: Deus, Sua Revelação e o Humano. Em termos judaicos, elas aparecem como YHVH (Aquele Que É Foi E Será Cujo Nome É Impronunciável), a Torá (que não revela segredos metafísicos mas, antes, o caminho do humano para sua elevação e, através dela, a de todo o planeta) e a existência dos filhos do Pacto, isto é, Israel (aqueles que tiveram a khutspá (Pronuncia-se o KH como o j em espanhol ou o ch em alemão, como na palavra Bach), a audácia, de lutar com e contra Deus ao mesmo tempo e que carregam na própria carne o sinal dessa união coletiva e intergeracional).

A liturgia diária tradicional recomenda que, durante as orações da noite e da manhã, sejam recitados um conjunto de trechos da Torá conhecidos como Shemá Israel, Ouve Israel, pois começam com a frase: Ouve Israel YHVH nosso Deus YHVH é único (Deuteronômio, 6:4). A tradição a explica como o testemunho diário da unidade divina. O judeu observante pela manhã, mesmo que esteja sozinho, irá recitá-la em voz alta, alongando-se ao pronunciar a palavra único, com as quatro franjas de seu manto de orações (Tsitsit, franjas colocadas nas quatro pontas do manto de orações, chamado talit, para que sejam vistas – Números, 16:37) nas mãos e de olhos fechados. O fechar dos olhos representa a impossibilidade de ver a Deus, isto é, abarcá-lo ou compreendê-lo racionalmente e também ressalta o papel do ato de escutar, entendido pela tradição como algo feito pelo coração. Quando em comunidade, o recitar, com os olhos fechados, ao ouvir inúmeras outras vozes se entrelaçando, é uma experiência de integração a um todo que transcende o pessoal. Aqui, talvez, esteja a finalidade do testemunho da unidade divina.

O monoteísmo, enquanto experiência religiosa, é a característica básica da religião judaica há quatro mil anos. Isto não implica apenas numa monolatria, que seria a devoção a um deus específico – o Nosso. Antes, é a tomada de consciência da Divindade como única, universalmente. Deus é chamado pelos judeus por vários nomes, cada um ressaltando uma característica que, na experiência politeísta, é personificada em vários deuses. O nome Elohim, por exemplo, que é geralmente traduzido como Deus, num plural majestoso, também pode ser entendido como os deuses. Os vários nomes pelos quais É chamado são, meramente, nomes acessíveis à consciência e à razão humana. O Nome Revelado permanece impronunciável como um sinal da impossibilidade da compreensão da essência de Deus. Ao longo das gerações, a percepção de Deus tem se transformado.

Na Bíblia, a concepção de Deus aparece, muitas vezes, de forma antropomórfica. Muito já se falou sobre este antropomorfismo. As concepções evolucionistas apresentam esse antropomorfismo como uma forma mais primitiva de conceber Deus. Uma leitura mais profunda, porém, deixa claro que tal antropomorfismo já é concebido na Bíblia como, antes de mais nada, algo simbólico. Deus não se parece a nada que exista neste universo e, por isso, nas tábuas da aliança, o segundo mandamento proíbe a feitura de imagens divinas.

Maimônides, na Idade Média, se posiciona claramente de forma anti-antropomórfica, buscando demonstrar que não só as concepções antropomórficas têm a ver com contingências de época e da língua hebraica como vai mais longe: só podemos dar a Deus características na negativa, ou seja, dizer aquilo que Ele não é. No século XV, ao explicar o judaísmo para o imperador da China, os judeus de K’aifengfu descrevem Deus usando termos chineses como T’ien Tao, o Tao Celestial (AUSUBEL, Nathan. Um tesouro do folclore judaico. Rio de Janeiro: Koogan, 1989. Coleção Judaica, v. 8. p.334). Já Moshé Khaim Luzzato, na Itália do século XVIII, descreve Deus como “o Ser primário, sem começo nem fim, que trouxe todas as coisas à existência e continua sustentando-as”. Segundo Luzzato, “a verdadeira natureza de Deus não pode ser compreendida por outro ser que não seja Ele Mesmo” (LUZZATO, M. O caminho de Deus. Anotações de Aryeh Kaplan. Editora Maayanot, 1992. p. 31). Em pleno século XX Martin Buber descreverá Deus como o Tu Eterno, inacessível ao conhecimento, mas acessível através do diálogo e do encontro. Todas essas visões têm, basicamente, dois pontos em comum: a idéia de El-Khai, Deus Vivo, e a idéia de que existe uma ética para o humano, ética que é derivada da existência de Deus.

O fundamento da ética judaica é a Torá. A palavra Torá tem a mesma raiz do verbo “atirar mirando”, que é a mesma da palavra professor. A tradução de Torá por “lei” é uma tradução imprópria: a idéia mais próxima é a de “ensinamento divino”, sendo a lei apenas um aspecto da Torá. Basicamente, a Torá busca ensinar os fundamentos para a santificação da vida humana nesta existência e disto deriva o conceito de trilhar os caminhos de Deus. A Halakhá (A palavra Halakhá vem da mesma raiz do o verbo caminhar e tem como fontes principais a parte legal do Talmud e as Responsas rabínicas), a lei comunitária judaica, que vem a partir das interpretações da Torá, por diversas gerações de rabinos, é também o paradigma da conduta pessoal concreta e traz esta ética aplicada à vida cotidiana, através das gerações. Mais do que uma série de afirmações em forma de credo, a Torá comanda ações neste mundo, isto é, mitsvot ou mandamentos. Por um lado, a Torá é um texto escrito e imutável – esta idéia de imutabilidade é colocada tão em prática que, ainda hoje, o texto é mantido e lido na forma de rolos de pergaminho com um cantilar próprio. A produção manual de um destes rolos da Torá, também chamado de Sefer-Torá, é cuidadosamente estabelecida, com leis que abordam tanto os materiais utilizados como a posição de cada letra na página e mesmo o tipo de pessoa que está apta a escrever um Sefer-Torá.

Por outro lado, a Torá é também a tradição oral (No início da Diáspora, a Torá Oral foi codificada nos tratados da Mishná - século II - e comentada na Guemará - aprox. século V. Essas duas obras formam o Talmud. Após essa publicação, outros Tratados e Responsas rabínicas foram escritos, entre eles os mais famosos são o Mishné Torá de Maimônides - século XII - e o Shulkhan Arukh, de Joseph Caro - século XVI), o ensinamento dos sábios de Israel interpretando a Torá através das gerações. Para cada ponto da vida, da liturgia ao comércio, da vida sexual ao tratamento dispensado aos animais, da guerra às regras de boa convivência, lá o judeu tem uma lâmpada para seus pés e uma luz para seu caminho. Tanto a Torá Escrita como a Torá Oral são, porém, uma única Torá, fruto da revelação do Sinai. A entrega da Torá no monte Sinai é um acontecimento mítico, não fazendo aqui nenhuma diferença, para nossa discussão, o acontecimento do fato histórico ou não. O caráter fundante da revelação do Sinai é ser o símbolo do selamento do Brit, o Pacto de Israel com Deus. É aqui que também reside a característica peculiar da revelação na tradição judaica, seu caráter coletivo, pois Deus se revela inicialmente a todo o povo e ao mesmo tempo. Os místicos afirmam que todo o povo significa que todos os judeus de todas as gerações receberam a Torá no Sinai, o que dá à revelação pessoal sempre um caráter coletivo, pois ela é um eco da revelação do Sinai.

Outra peculiaridade da revelação é que nela Deus não revela Sua essência mas, antes, a Sua vontade. Uma vez entregue aos homens, porém, cumpre a estes interpretá-la através do tipo de consciência de cada geração, pois a Torá “não está no céu” (Deuteronômio, 30:11-14). Este é o argumento básico para a validação da interpretação rabínica.

O Povo Judeu não constitui uma unidade étnica, pois os dois mil anos de Diáspora permitiram o aparecimento de muitos grupos com língua e culturas diferentes dentro do povo judeu. O judeu ashkenazi, branco e de origem européia, se diferencia tanto do judeu etíope quanto o judeu secular americano ou israelense se diferencia dos grupos ultra-ortodoxos. Não se pode dizer também que o povo judeu seja uma comunidade de fiéis, com uma crença em comum, pois, fora um grupo muito reduzido de crenças básicas, conhecemos, hoje em dia, como na verdade sempre houve, resultados muito diferentes daquilo que Hillel chamou de “os comentários”. O que assombra, no entanto, é a possibilidade de nos reconhecermos como os descendentes de Avraham, nosso pai e, ao mesmo tempo, o reconhecimento mútuo entre os vários grupos por fazermos parte de uma grande comunidade: Am Israel (O Povo de Israel). Quando nos reencontramos no século XX nos países da América e, principalmente, em Israel, nos descobrimos como uma microhumanidade de gente proveniente das mais diversas partes do mundo. Mordekhai Kaplan vê no povo judeu uma “nacionalidade ética”, o ideal de uma humanidade pacífica. O pensador Abraham Ioshua Heschel disse, a respeito disto, “os judeus são um povo que, para ser um povo, têm de ser mais do que um povo” (The Earth is the Lord.s and The Shabbath. New York: Ed. Harper & Row Torchbook, 1966. p. 64).

A comunidade tradicional da Diáspora, que se seguiu à destruição de Jerusalém e seu Templo, nos anos 70 pelos romanos, entrou em crise com o surgimento da modernidade. Não deixa de ser interessante que, no mesmo ano em que Colombo saía com suas caravelas, os judeus eram expulsos da Espanha. No Ocidente, a crise da comunidade tradicional se aprofundou com a emancipação dos judeus nos estados burgueses. A partir do século XVIII, num processo cheio de idas e vindas, os judeus conquistaram direitos civis o que, por um lado, criou um problema conhecido no meio judaico como a assimilação, isto é, a perda da identidade judaica em troca do reconhecimento e da participação sociais. Por outro lado, intensificou as reações de preconceito anti-semita, o que gerou ações defensivas dos judeus para com a sociedade em geral que variam de país para país. O Brasil, neste contexto, aparece como um país onde o preconceito anti-semita isolado é fato bastante raro como fenômeno cultural ou de massas.

Dentro do âmbito religioso, a emancipação propiciou o aparecimento de três linhas básicas dentro do judaísmo moderno: a Reforma, uma linha que sustenta a prevalência da modernidade sobre a tradição; o movimento Conservativo, que sustenta a possibilidade do diálogo da tradição com a modernidade uma vez que este foi sempre o caminho da tradição em todas as épocas; e, finalmente, a Ortodoxia, que é uma reação (mais moderada ou mais fundamentalista, dependendo do grupo) à sociedade moderna e seu modo de vida. Muitos pensadores judeus, que se debruçaram sobre questões da espiritualidade do ponto de vista judaico, não podem, no entanto, ser classificados em nenhuma dessas tendências religiosas, entre eles podemos citar: Martin Buber, Franz Rosensweig e Emmanuel Lévinas, apenas para designar os mais conhecidos do público em geral. Há, nesses últimos, uma tensão especial que permeia suas vidas e obras, o pressentimento de que algo para além da Modernidade está para acontecer.

No decorrer do século XX, dois acontecimentos marcaram profundamente o consciente e o inconsciente coletivos do povo judeu e serão, daqui para frente, cada vez mais importantes em sua experiência espiritual: o genocídio de um terço dos judeus do mundo, durante a barbárie nazista, conhecido como o Holocausto, e o aparecimento de uma terceira reunião judaica na Terra de Israel, quase dois mil anos depois da última. Esses dois acontecimentos, únicos na história humana e judaica, levarão, possivelmente, várias gerações para serem melhor compreendidos em toda intensidade de seu significado. Esses acontecimentos deverão ser vistos à luz da nova consciência eco-planetária que agora começa a florescer. A Torá nos ensina a observar os ciclos cósmicos, em nós e na Natureza, e a ver a eterna renovação na vida e na morte. A Tradição, enquanto memória coletiva viva, enriqueceu-se muitíssimo com essas vivências que chegam quase ao limite da existência humana e que clamam pela renovação espiritual. Como dizia Rav Kook : “O antigo se renovará e o novo santificará”.



Publicado em: LEONE, A.G. - Uma Apresentação do Judaísmo, in Revista do 1o Ciclo de Estudos da Religião, UFOP, 1997. P.11-19 (repassado diretamente pelo autor a mim no dia 15 de abril de 2010).

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Lectio Divina de João 21, 1-19: Você me ama? - 3º Domingo de Páscoa

Por: Patrick Silva

Depois disso, Jesus apareceu de novo aos discípulos, à beira do mar de Tiberíades. A aparição foi assim: Estavam juntos Simão Pedro, Tomé, chamado Gêmeo, Natanael, de Caná da Galiléia, os filhos de Zebedeu e outros dois discípulos dele. Simão Pedro disse a eles: “Eu vou pescar”. Eles disseram: “Nós vamos contigo”. Saíram, entraram no barco, mas não pescaram nada naquela noite. Já de manhã, Jesus estava aí na praia, mas os discípulos não sabiam que era Jesus. Ele perguntou: “Filhinhos, tendes alguma coisa para comer?” Responderam: “Não”. Ele lhes disse: “Lançai a rede à direita do barco e achareis”. Eles lançaram a rede e não conseguiam puxá-la para fora, por causa da quantidade de peixes. Então, o discípulo que Jesus mais amava disse a Pedro: “É o Senhor!” Simão Pedro, ouvindo dizer que era o Senhor, vestiu e arregaçou a túnica ( pois estava nu ) e lançou-se ao mar. Os outros discípulos vieram com o barco, arrastando as redes com os peixes. Na realidade, não estavam longe da terra, mas somente uns cem metros. Quando chegaram à terra, viram umas brasas preparadas, com peixe em cima e pão. Jesus disse-lhes: “Trazei alguns dos peixes que apanhastes”. Então, Simão Pedro subiu e arrastou a rede para terra. Estava cheia de cento e cinqüenta e três grandes peixes; e apesar de tantos peixes, a rede não se rasgou. Jesus disse-lhes: “Vinde comer”. Nenhum dos discípulos se atrevia a perguntar quem era ele, pois sabiam que era o Senhor. Jesus aproximou-se, tomou o pão e deu a eles. E fez a mesma coisa com o peixe. Esta foi a terceira vez que Jesus, ressuscitado dos mortos, apareceu aos discípulos. Depois de comerem, Jesus perguntou a Simão Pedro: “Simão, filho de João, tu me amas mais do que estes?” Pedro respondeu: “Sim, Senhor, tu sabes que te amo”. Jesus lhe disse: “Cuida dos meus cordeiros”. E disse-lhe, pela segunda vez: “Simão, filho de João, tu me amas?”. Pedro respondeu: “Sim, Senhor, tu sabes que te amo”. Jesus lhe disse: “Sê pastor das minhas ovelhas”. Pela terceira vez, perguntou a Pedro: “Simão, filho de João, tu me amas?” Pedro ficou triste, porque lhe perguntou pela terceira vez se era seu amigo. E respondeu: “Senhor, tu sabes tudo; tu sabes que te amo”. Jesus disse-lhe: “Cuida das minhas ovelhas. Em verdade, em verdade, te digo: quando eras jovem, tu mesmo amarravas teu cinto e andavas por onde querias; quando, porém, fores velho, estenderás as mãos, e outro te porá o cinto e te levará para onde não queres ir”. (Disse isso para dar a entender com que morte Pedro iria glorificar a Deus.) E acrescentou: “Segue-me”. (João 21, 1-19)

1. LECTIO – leitura

Nosso evangelho está dividido em duas partes. A primeira parte (versículos 1-14) apresenta uma parábola sobre a missão da comunidade. Começando por apresentar os discípulos, que são sete. Número simbólico que representa a totalidade da Igreja, empenhada na missão e aberta a todas as nações e a todos os povos. Os discípulos estão pescando, uma imagem que os evangelhos sinópticos usam para falar da missão que Jesus confiou aos seus discípulos (veja Mc 1,17; Mt 4,19; Lc 5,10). Pedro, parece, presidir à missão: é ele que toma a iniciativa; os outros seguem-no incondicionalmente. A pesca é feita durante a noite. A noite é o tempo das trevas, da escuridão: significa a ausência de Jesus. O resultado da ação dos discípulos (de noite e sem Jesus) é um fracasso rotundo (“sem Mim, nada podeis fazer” – Jo 15,5). A chegada luz da manhã coincide com a presença de Jesus (“Eu sou a luz do mundo”). Jesus não está com eles no barco, agora a missão de Jesus é realizada por meio dos discípulos. Os discípulos cansados pelo trabalho estéril da noite, nem reconhecem a presença de Jesus. O grupo continua desorientado e decepcionado pelo fracasso, ressaltado pela pergunta de Jesus (“tendes alguma coisa de comer?”). Mas Jesus dá- lhes instruções e as redes voltam a encher-se de peixes. Fica claro, que o êxito da missão não se deve tanto ao esforço humano, mas sim à presença viva e à Palavra do Senhor ressuscitado. O surpreendente resultado da pesca faz com que um discípulo o reconheça, o discípulo amado, aquele que está em sintonia com Jesus e, assim, é capaz de perceber sua presença. Os pães com que Jesus acolhe os discípulos em terra são um sinal do amor, do serviço, da solicitude de Jesus pela sua comunidade em missão no mundo: uma alusão à Eucaristia, é por esta que a comunidade em missão é alimentada. O número dos peixes apanhados na rede (153) é de difícil explicação. É um número triangular, que resulta da soma dos números um a dezessete. O número dezessete não é um número bíblico... Mas o dez e o sete são: ambos simbolizam a plenitude e a universalidade. Outra explicação é dada por São Jerônimo. Segundo ele, os naturalistas antigos distinguiam 153 espécies de peixes: assim, o número faria alusão à totalidade da humanidade, reunida na mesma Igreja. Em qualquer caso, significa totalidade e universalidade.

Na segunda parte do texto (versículos 15-19), Pedro confessa por três vezes o seu amor a Jesus (o mesmo discípulo negara Jesus por três vezes). Pedro foi, também, o discípulo que, na última ceia, recusou que Jesus lhe lavasse os pés porque, para ele, o Messias devia ser um rei poderoso e não um rei de serviço. Nessa ocasião, ao raciocinar em termos de superioridade e de autoridade, Pedro mostrou que ainda não entendera que a lei suprema da comunidade de Jesus é o amor total, o amor que se faz serviço e que vai até à entrega da vida. Jesus disse claramente a Pedro que quem tem uma mentalidade de domínio e de autoridade não tem lugar na comunidade cristã (veja Jo 13,6-9). A tríplice confissão de amor pedida a Pedro por Jesus corresponde, portanto, a um convite a que ele mude definitivamente a mentalidade. Pedro é convidado a entender que, na comunidade de Jesus, o valor fundamental é o amor; não existe verdadeira adesão a Jesus, se não se estiver disposto a seguir esse caminho de amor e de entrega da vida que Jesus percorreu. Só assim Pedro poderá “seguir” Jesus (cf. Jo 21,19). Ao mesmo tempo, Jesus confia a Pedro a missão de presidir à comunidade e de a animar; mas convida-o também a descobrir onde é que reside, na comunidade cristã, a verdadeira fonte da autoridade: só quem ama muito e aceita a lógica do serviço e da doação da vida poderá presidir à comunidade de Jesus.

2. MEDITATIO – meditação
+ Considere grande misericórdia de Jesus para com Pedro. Apesar de Pedro o ter negado, Jesus deu-lhe a oportunidade de se redimir e cumprir o seu chamado para liderar a igreja primitiva.
+ Compare resposta de Pedro nesta ocasião com a resposta em Lucas 5:4-8, quando aconteceu uma outra notável captura de peixes. O que mudou?

3. ORATIO – oração
Imagine Jesus está lhe perguntando: “você me ama?” Responda-lhe sem medos.

4. CONTEMPLATIO – contemplação
No evangelho Jesus “alimenta” com o pão os seus discípulos. Contemple este Jesus na sua presença eucarística.

5. MISSIO - missão
“Gostaria que vos apaixonásseis de Jesus sacramentado! Quisera que vosso olhar fosse tão fixo e penetrante, que pudésseis ver Jesus no tabernáculo… Não é impossível, basta ter fé!”. José Allamano

disponível semanalmente em http://www.imconsolata.org.br/

terça-feira, 13 de abril de 2010

O escândalo da pedofilia

Está tendo ampla repercussão a divulgação de casos de pedofilia, envolvendo membros do clero da Igreja Católica. O assunto merece ser analisado com cuidado, para perceber com objetividade sua dimensão, e distinguir os dados verdadeiros, da exploração que deles se faz com o intento de denegrir a imagem da Igreja, universalizando para toda a instituição o que se constitui em erros pessoais, de todo condenáveis, mas que não podem ser imputados como se fossem de autoria de toda a Igreja.

Em primeiro lugar, a própria Igreja se antecipa em reconhecer e em confessar a gravidade da situação, admitindo inclusive que houve culpa por falta de vigilância em coibir abusos, permitindo que padres pedófilos continuassem exercendo o ministério, favorecendo assim a continuidade dos delitos.

Independente da quantidade de casos constatados, mesmo que fosse um só, merece a clara condenação de todos, e se praticado por algum membro do clero católico, o reconhecimento de quanto isto depõe contra a imagem da Igreja.

Em recente carta à Igreja da Irlanda, onde foram constatados diversos casos de pedofilia praticada por padres católicos, o Papa Bento 16 faz uma dura advertência à hierarquia da Igreja daquele país, para que redobre a vigilância, e afaste do ministério todos os envolvidos na prática da pedofilia.

Se há uma conseqüência positiva, decorrente da discussão levantada no mundo inteiro em torno da pedofilia, é o crescimento da consciência da criminalidade dos atos de abusos sexuais praticados com crianças. Eles se constituem em crimes, que precisam ser denunciados, e devem ser condenados, com responsabilização adequada de todos os que incorrem em alguma responsabilidade por seu cometimento.

As crianças têm o direito de serem preservadas das distorções sexuais dos adultos, sejam eles quem forem. Esta consciência da necessidade de preservar as crianças da maldade dos adultos precisa avançar muito mais. É toda a sociedade que precisa estar atenta para preservar a inocência das crianças. Nisto toda a sociedade tem culpa em cartório. Se fosse usado o mesmo rigor com que agora se aponta para os padres pedófilos, quantas situações precisariam ser denunciadas, nas famílias, na sociedade, sobretudo nos meios de comunicação social, onde não despertou ainda a consciência dos prejuízos causados às crianças pelas situações a que elas ficam expostas.

Mas no que se refere diretamente à pedofilia, seria muita hipocrisia achar que ela se limita aos casos praticados por padres católicos. Existe inclusive uma evidente campanha, levada adiante por pessoas interessadas em denegrir a imagem da Igreja Católica, que está se aproveitando desta situação para tornar ainda mais virulentas as acusações contra ela. Por isto, no Brasil não é nada de estranhar que uma conhecida rede de televisão se esmere agora em ampliar o que é sua razão de ser: acusar continuamente a Igreja Católica, usando para isto todos os meios de que dispõe.

Neste sentido, sem fazer dos números uma desculpa, é importante olhar os dados com objetividade. O Professor Carlos Alberto di Franco, Doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra ( difranco@iics.org.br Este endereço de e-mail está protegido contra spambots. Você deve habilitar o JavaScript para visualizá-lo. ) , traz a seguinte constatação: desde 1995, na Alemanha, houve 210.000 denúncias de abusos de pedofilia. Destas denúncias, só trezentas se referem a padres católicos. Isto é, só 0.2% por cento do total. E por que só se insiste em falar da Igreja, tentando inclusive envolver o Papa, acusando-o de responsabilidade por ter aceito um padre pedófilo na sua diocese, no tempo em que era arcebispo de Munique? Por que não se fala dos outros 99,98 por cento dos casos?

Se olhamos o clero do Brasil, em sua imensa maioria constituído de beneméritos ministros devotados à sua missão, com os limites humanos de que todos somos revestidos, a proporção é certamente parecida com a análise apresentada pelo Prof. Di Franco. Os raros casos de pedofilia constatados no clero brasileiro, por mais deploráveis que sejam, não justificam a hipócrita escandalização, levada em frente por meios de comunicação que trazem evidente a marca da tendenciosidade, que fica desmascarada à luz de qualquer dado objetivo.

A Igreja Católica está disposta a uma severa autocrítica de sua própria instituição, diante dos casos reais de pedofilia praticada por membros do seu clero. Ela aceita de bom grado os questionamentos objetivos que podem ser feitos pela sociedade. Mas ela dispensa a hipocrisia de quem generaliza as acusações, escondendo seus interesses escusos, e desvirtuando uma análise objetiva do problema da pedofilia.

Escrito por: Luiz Demétrio Valentini, bispo de Jales - SP

Fonte: CNBB e Revista Missões

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Lectio Divina: Meu Senhor e Meu Deus - 2º Domingo Páscoa - João 20, 19-31

Por: Patrick Silva, imc


Meu Senhor e Meu Deus Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana, os discípulos estavam reunidos, com as portas fechadas por medo dos judeus. Jesus entrou e pôs-se no meio deles. Disse: “A paz esteja convosco”. Dito isso, mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos, então, se alegraram por verem o Senhor. Jesus disse, de novo: “A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou também eu vos envio”. Então, soprou sobre eles e falou: “Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, serão perdoados; a quem os retiverdes, ficarão retidos”. Tomé, chamado Gêmeo, que era um dos Doze, não estava com eles quando Jesus veio. Os outros discípulos contaram-lhe: “Nós vimos o Senhor!” Mas Tomé disse: “Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos, se eu não puser a mão no seu lado, não acreditarei”. Oito dias depois, os discípulos encontravam-se reunidos na casa, e Tomé estava com eles. Estando as portas fechadas, Jesus entrou, pôs-se no meio deles e disse: “A paz esteja convosco”. Depois disse a Tomé: “Põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos. Estende a tua mão e coloca-a no meu lado e não sejas incrédulo, mas crê!” Tomé respondeu: “Meu Senhor e meu Deus!” Jesus lhe disse: “Creste porque me viste? Bem-aventurados os que não viram, e creram!” Jesus fez diante dos discípulos muitos outros sinais, que não estão escritos neste livro. Estes, porém, foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais a vida em seu nome. (João 20, 19-31)

  1. LECTIO – leitura
João, o evangelista que nos oferece este evangelho, nos “transporta” até uma comunidade de gente receosa e de portas fechadas, para depois partilhar um encontro precioso com o Cristo ressuscitado. O episódio acontece no primeiro dia da semana, referência que não é apenas temporal, mas que nos recorda nossos “encontros” neste primeiro dia da semana. É neste primeiro dia da semana que os discípulos reunidos recebem a visita ilustre de Jesus. De repente o medo, a frustração, a insegurança é ultrapassada pela alegria e felicidade. Afinal ele está vivo. Ao aparecer “no meio deles”, Jesus assume-Se como ponto de referência, fator de unidade, a videira à volta da qual se enxertam os ramos. A comunidade está reunida à volta d’Ele, pois Ele é o centro onde todos vão beber a vida. Este encontro é marcado pela “transmissão” dupla da paz (versículos 19 e 21): é o “shalom” hebraico, no sentido de harmonia, serenidade, tranqüilidade, confiança, por outras palavras, a soma das graças divinas. Assegurando  aos discípulos a vitória de Jesus sobre o que os atemorizava: a morte, a opressão, a hostilidade do “mundo”. Depois (versículo 20a), Jesus revela a sua “identidade”: as mãos e lado trespassado, sinais do seu amor e da sua entrega. É nesses sinais de amor e doação que a comunidade reconhece Jesus vivo e presente em seu meio. A permanência desses “sinais” indica a permanência do amor de Jesus. É sob o sinal do amor e da doação que os discípulos são enviados, tal como Jesus fora enviado pelo Pai.
Jesus “soprou sobre eles”. O verbo utilizado é o mesmo do texto grego de Gênesis 2,7. Com este “sopro”, o bonequinho de argila tornou-se um ser vivente; agora, com o “sopro” de Jesus, os discípulos tornam-se homens novos, recebem a vida nova. Os discípulos possuem o Espírito, a vida de Deus, para poderem, como Jesus, dar-se generosamente aos outros. É este Espírito que constitui e anima a comunidade.
A segunda parte do evangelho (versículos 24 a 19) apresenta uma catequese sobre a fé. A experiência da fé em Jesus vivo e ressuscitado acontece na comunidade dos que acreditam, que é o lugar onde se manifesta e irradia o amor de Jesus. Tomé representa aqueles que vivem fechados em si próprios (está fora/ausente) e que não faz caso do testemunho da comunidade nem percebe os sinais de vida nova que nela se manifestam. Em lugar de se integrar e participar da mesma experiência, pretende obter uma demonstração particular de Deus. No entanto,  Tomé acaba por fazer a experiência de Cristo vivo no interior da comunidade. Porquê? Porque, no “dia do Senhor”, volta a estar com a sua comunidade. É uma alusão clara ao domingo, ao dia em que a comunidade é convocada para celebrar a Eucaristia: é no encontro com o amor fraterno, com o perdão dos irmãos, com a Palavra proclamada, com o pão de Jesus partilhado, que se descobre Jesus ressuscitado.

  2. MEDITATIO – meditação
    +    Imagine a alegria e emoção que os discípulos devem ter sentido quando viram Jesus ressuscitado. Experimente sentir em si tal sentimentos de alegria e felicidade.
    +    A fé de Tomé “se inflamou” quando viu o Senhor ressuscitado. Você acredita ou continua procurando mais provas para aceitar Jesus como seu Senhor vivo?
    +    Jesus disse aos seus discípulos para a “Paz esteja convosco'. Que significado essas palavras tranqüilizadoras têm para si?

3. ORATIO – oração
"Meu Senhor e meu Deus". Esta foi a declaração de fé de Tomé.  É uma oração simples, mas profunda. Procure repetir, como mantra, esta declaração ao longo do seu dia.

4. CONTEMPLATIO – contemplação
Nós continuamos a celebrar a ressurreição de Jesus. Contemple com os versículos do Salmo 118: “Seu amor é eterno.” “A pedra que os pedreiros rejeitaram, ficou sendo a pedra principal. Foi o SENHOR que fez isto: maravilha aos nossos olhos. Este é o dia que o SENHOR fez: exultemos e alegremo-nos nele.”

5.  MISSIO - missão
“Enchei a vossa vida com o espírito de Jesus. Fazei tudo por Ele e tudo recebereis d’Ele. Ele será a vossa felicidade na terra e a vossa recompensa no céu”. José Allamano

Disponível semanalmente em www.imconsolata.org.br

domingo, 4 de abril de 2010

Mensagem de Páscoa aos amigos e amigas de perto e de longe

Estenda a mão e coloque-a no meu lado!

Hoje é Páscoa. É o momento único e definitivo do Deus da Vida e do Amor.

Hojé é o dia da Ressurreição de Jesus, fato fundamental e a razão de ser do cristão. Diz bem o Apóstolo Paulo quando afirma: "Se Cristo não ressuscitou, vã a pregação, vã nossa fé (1 Cor 15,11).

Sabemos, no entanto, que o momento da ressurreição não fora representado até então pela arte cristã, mas entendido metaforicamente na cena das mulheres no sepulcro, tal qual descrita nos evangelhos de Mateus 28,1-8; Marcos 16,1-8; Lucas 24, 1-11 e de João 20,1-18.

A lição deste momento crucial será traduzida erroneamente pela tradição popular como: NOLI ME TANGERE (Não me toques! Cf. Jo 20,17). Isto fortalece, entretanto, um distanciamento demasiadamente enérgico como o vemos esculpido na Catedral românica de Tudela e pintado nas telas de Giotto di Bondone (1266-1337), Julio Romano (1499-1546) e Correggio (1525), apresentando um Jesus Ressuscitado que busca apartar-se, distanciar-se de quem tanto o amou.

Será Piero della Francesca (1416-1492) que apresentará por primeiro o ato mesmo da vitória sobre a morte: Cristo elevando-se com uma bandeira esvoaçante de dentro do sepulcro. El Greco (Domenico Theotocopoli 1541-1614) irá agudizar a verticalidade do Ressuscitado acompanhando-a dos braços e corpos tensos dos guardas apontando para o alto. A lição é esta: NOLLI ME TENERE (Pare de me segurar! Cf. Jo 20,17), assume o original sentido do evangelho joanino: não me entretenhas, não me segures, não me detenhas, dita a Maria Madalena (aquela bela mulher do perfume caríssimo) depois de um profundo encontro de Amor e Verdade mas recordando que não podia ficar ali indefinidamente. Há aí a predileção de quem ama e é amado (amor horizontal) e também o adeus de quem parte e é bem compreendido de forma livre pelo outro. É este amor generoso, amor vertical, amor gratuito que gasta tudo com perfumes para o seu Amado, tal como o vemos esculpido na obra audaz de Auguste Rodin (1892). Diz o poeta Rilke comentando a escultura em 1902: "Ela o envolve com um movimento desconsolado e suplicante e, com um gesto de desamparo, solta os cabelos para mergulhar neles o coração atormentado de Cristo."

O relato tocante de Tomé, depois conhecido como relato da dúvida tem um outro matiz de uma tangibilidade emocionante e atual. A prevenção desaparece e a proximidade se torna intima e radical. Como que uma carícia pedida pelo Ressuscitado. Um toque de amor, uma verdadeira unção como aquela de Betânia. Vemos o forte quadro "INCREDULIDADE DE SÃO TOMÉ", pintado por Mathias Stomer (1600-1650) com dois dedos enfiados na chaga lateral do Ressuscitado. Ficamos incomodados com a tamanha crueza do gesto do discípulo. A lição é esta: "Infer digitum tuum huc et vide manus meas et affer manum tuam et mitte in latus meum, et noli fieri incredulus sed fidelis (Cf. Jo 20, 27)". Eis a bela tradução do que o Ressuscitado diz a Tomé: "Coloque o seu dedo aqui; veja as minhas mãos. Estenda a sua mão e coloque-a no meu lado. Não tenha pouca confiança, confie!." Aqui estamos próximos d’Ele. Depois do toque, solicitado, pedido, insistente, a fé do incrédulo, e depois a ceia e o desafio da missão evangelizadora. Dele será pedida a fidelidade dos que não viram mas creem. De quem crê em mulheres e apóstolos. Em Madalena, Pedro, Tomé e João. É preciso tocar com fé, é preciso amar Jesus ao vê-lo e ser amado por Ele sem vê-lo. É preciso vencer o ateu que vive dentro de nós, escondido dentro de nossa própria casa. Não haverá lugar para o cético se houver esperança na vida. Afinal, somos todos gêmeos de Tomé. Queremos dizer que Jesus é o Senhor, mas temos medo e falta-nos confiança. A prova da Ressurreição é o ato de fé e esta vida nova recebida gratuitamente em Cristo, por Cristo e com Cristo. A força do Cristo Jesus nos tira da morte tal qual vemos no afresco Afresco do Monastério Santo Salvador em Chora, Istambul, arrancando do vale da morte pelos pulsos a Adão e Eva. Este ícone da Anastásis (Ressurreição) do século XIII remete sugere que o ícone, não é sobre salvação, mas sobre a divinização. Adão e Eva estão sendo puxados para a vida divina da Santíssima Trindade, divinizados pela ação de Cristo. O amor de Cristo nos arranca dos abismos. De seu lado jorram vida e amor. Ele é o ungido e nós somos seus amigos. Nós que havíamos plantado Jesus na terra como trigo moído e esmagado, agora vemos o Pai o ressuscita-lo e desta nova Vida vemos brotar centenas de espigas, frutos do amor, da ternura e da misericórdia. Somos mais que chamados, mas puxados, arrancados! Somos levados para Deus por Cristo na força do Espírito.

Assim recitei ainda criança esta sequência pascal ensinada por minha avó materna:
"A morte e a vida lutaram admiravelmente: o Senhor da vida reina vivo depos de morto. Diga-nos tu, Maria: que viste pelo caminho? Vi o sepulcro de Cristo vivo e a gloria do Ressuscitado. Vi anjos que mo asseguraram; vi o sudário e os lençois. Ressuscitou Cristo, minha esperança: e os precede na Galiléia. Sabemos que Cristo, em verdade, ressuscitou de entre os mortos: tu, oh Rei triunfante, tem misericórdia de nós. Amém. Aleluia!"

Os bizantinos cantam em sua liturgia milenar:
"Dia da Ressurreição! Povos rejubilem-se de alegria, é a Páscoa do Senhor! Da morte À vida e da terra aos céus, o Cristo Deus nos conduz a todos nós que cantamos o hino da vitória. Que o céu se regozige, que a terra esteja na alegria, que o mundo faça festa, todo o mundo: o visível e o invisível. Pois, Cristo ressuscitou, Ele, a alegria eterna. Da morte, celebremos a destruição e do inferno, a ruína. Da nova vida imortal cantemos com vigor o Autor. Uma Páscoa sagrada nos apareceu hoje: Páscoa nova e santa, Páscoa mística, Páscoa puríssima, Páscoa do Cristo, nosso libertador, Páscoa imaculada, Páscoa grandiosa, Páscoa dos que creem, Páscoa que nos abre as portas do Paraíso, Páscoa que santifica todos os fiéis. È o dia da Ressurreição! Abracemo-nos uns aos outros. Digamos: ‘Irmãos’, mesmo para os que nos odeiam. E cantemos: Cristo ressuscitou de entre os mortos."

Lembro que certa feita na inesquecível comunidade de São Mateus, na periferia da zona Leste, pelos idos dos anos oitenta, ao preparar a Vigília Pascal pensamos em fazer uma surpresa para o povo das comunidades naquela noite especial. Pedimos a um pequeno menino que ficasse dentro de um imenso ovo feito de papelão, até a hora do canto do Exultet e que o rompesse com suas mãos rasgando o invólucro que o envolvia, gritando forte no meio de toda a Igreja: "Cristo ressuscitou, Aleluia!" Assim cantaríamos o hino depois do grito na hora por nós marcada previamente. Mas, eis que passados alguns minutos dele dentro do ovo e sem muitos furos para oxigenar aquele ambiente escuro e sem saber bem a que hora sairia, ele rasga todo o papel, dizendo em alta voz: "Eu não aguento mais, é hora de ressuscitar. Cristo venceu, Aleluia! Ufa, que bom que minha mãe está aqui. Agora estou feliz! Acabou o sufoco, desculpem a pressa, mas lá dentro é muito ruim!".

Amigos e amigas, desejo-lhe uma Santa Páscoa nesta manhã alegre. Apressada, alegre, vigorosa. Cantada, rezada, tocada e celebrada. Saindo dos ovos, das tumbas, das dores e sentido os perfumes, as cores e os sabores da Ressurreição.

Convido-os a que estendam suas mãos, toquem o lado, sintam Deus e sintam a vida que jorra do coração.

É deste modo tocante que a poetisa espanhola Isabel Llorente Casado nos ensina a celebrar a Páscoa:

"Si tus manos están dispuestas a dar lo poco que pueden, ábrelas.
Si tus labios sólo se abren para hablar com cariño, jamás los cierres.
Si tu calor es lo único que puedes compartir, eso no es poco.
Si tus valores los cuidas y los compartes, eres muy grande.
Si tu meta es vivir junto a Mi Amigo, enséñame a vivir contigo."


Por: Prof. Fernando Altemeyer Junior - email: fajr@pucsp.br